segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

o encontro

No mais inspirador dos dias, sexta-feira, cinco da tarde, pessoas
apressadas - como de costume - paravam e se aglomerava num entroncamento
central da grande metropole. Olhavam para o alto, aflitas, no cruzamento da rua américa coma a avenida europa. O som estridente de um carro de bombeiros
invadia os cerebros, anunciando perigo. Uma ambulancia procurava furar o transito engarrafado para se aproximar do local.
Os bombeiros chegaram com rapidez e isolaram a area, impedindo os
espectadores de se aproximar do imponente edificio San Pablo, pertencente ao grupo Alfa, um dos maiores conglomerados empresariais do mundo. Os cidadãos se entreolhavam, e os transeuntes que chegavam pouco a pouco traziam no semblante uma interrogação. O que estaria acontecendo? Que movimento era aquele? As pessoas apontavam para o alto. No vigésimo andar, num parapeito do belo edificio de vidro espelhado, debruçava-se um suicida.
Mais um ser humano queria abreviar a ja brevissima existencia. Mais uma pessoa planejava desistir de viver. Era um tempo saturado de tristeza. Morriam mais pessoas interrompendo a propria vida do que nas guerras e homicidios. Os numeros deixavam atonitos os que refletiam sobre eles. A experiencia do prazer havia se tornado larga como um oceano, mas tao rasa quanto um espelho d'agua. Muitos privilegiados financeira e intelectualmente viviam vazios, entediados, ilhados em seu mundo. O sistema social assolava nao apenas os miseraveis, mas tambem os abastados.
O suicida do San Pablo era um homem de quarenta anos, face bem torneada, sobrancelhas fortes, pele de poucas rugas, cabelos grisalhos semilongos e bem-tratados. Sua erudiçao, esculpida por muitos anos de instruçao, agora se resumia a po. Das cinco linguas que falava, nenhuma lhe fora util para falar consigo mesmo; nenhuma lhe dera condições de compreender o idioma de seus fantasmas interiores. Fora asfixiado por uma crise depressiva. Vivia sem sentido. Nada o encantava.
Naquele momento, apenas o ultimo instante parecia atrai-lo. Esse fenomeno monstruoso que costumam chamar de morte parecia tao aterrador... mas era, tambem, uma soluçao magica para aliviar os transtornos humanos. Nada parecia demover aquele homem da ideia de acabar com a propria vida. Ele olhou para cima, como se quisesse se redimir do seu ultimo ato, olhou para baixo e deu dois passos apressados, sem se importar em despencar. A multidão sussurou de pavor, pensando que ele saltaria.
Alguns observadores mordiam os dedos em grande tensão. Outros nem piscavam os olhos, para não perder os detalhes da cena - o ser humano detesta a dor, mas tem uma fortissima atraçao por ela; rejeita os acidentes, as mazelas e miserias, mas eles seduzem sua retina. O desfecho daquele ato traria angustia e insonia aos espectadores, mas eles resistiam a abandonar a cena de terror. Em contraste com a plateia ansiosa, os motoristas parados no transito estavam impacientes, buzinavam sem parar. Alguns colocavam a cabeça afora e vociferavam: "Pula logo e acaba com esse show!".
Os bombeiros e o chefe de policia subiram ate o topo do edificio para tentar dissuadir o suicida. Nao tiveram exito. Diante do fracasso, um renomado psiquiatra foi chamado as pressas para realizar a empreitada. O medico tentou conquistar a confiança do homem, estimulou-o a pensar nas consequencias daquele ato... mas nada. O suicida estava farto de tecnicas, ja havia feito quatro tratamentos psiquiatricos malsucedidos. Aos berros, ameaçava: "Mais um passo e eu pulo!". Tinha uma unica certeza, "a morte o silenciaria", pelo menos acreditava que sim. Sua decisão estava tomada, com ou sem plateia. Sua mente se fixava em suas frustraçoes, remoia suas mazelas, alimentava a fervura de sua angustia.
Enquanto se desenrolavam esses acontecimentos no alto do edificio, apareceu sorrateiramente um homem no meio da multidão, pedindo passagem. Aparentemente era mais um caminhante, so que malvestido. Trajava uma camisa azul de mangas compridas desbotada, com algumas manchas pretas. E um blazer preto amassado. Nao usava gravata. A calça preta tambem estava amassada, parecia que nao via agua ha uma semana. Cabelos grisalhos ao redor da orelha, um pouco compridos e despenteados. Barba relativamente longa, sem cortar ha algum tempo. Pele seca e com rugas sobressaltava no contorno dos olhos e nos vincos do rosto, evidenciando que as vezes dormia ao relento. Tinha entre trinta e quarenta anos, mas aparentava mais idade. Nao expressava ser uma autoridade politica nem espiritual, e muito menos intelectual. Sua figura estava mais proxima de um desprivilegiado social do que de um icone do sistema.
Sua aparencia sem magnetismo contrastava com os movimentos delicados dos seus gestos. Tocava suavemente os ombros das pessoas, abria um sorriso e passava por elas. As pessoas nao sabiam descrever a sensaçao que tinham ao ser tocadas por ele, mas era estimuladas a abrir-lhe espaço.
O caminhante aproximou-se do cordao de isolamento dos bombeiros. Foi impedido de entrar. Mas, desrespeitando o bloqueio, fitou os lhos dos que o barravam e expressou categoricamente:
- Eu preciso entrar. Ele está me esperando. - Os bombeiros o olharam de cima a baixo e menearam a cabeça. Parecia mais alguem que precisava de
assitencia do que uma pessoa util numa situaçao tao tensa.
- Qual o seu nome? - indagaram sem pestenejar.
- Nao importa no momento! - respondeu firmemente o misterioso homem.
- Quem o chamou? - questionaram os bombeiros.
- Voce sabera! e se demorarem me interrogando, terao de preparar mais um funeral - disse, elevando os olhos.
Os bombeiros começaram a suar. Um tinha sindrome do panico, outro era insone. A ultima frase do misterioso homem os perturbou. Ousadamente ele passou por eles. Afinal de contas, pensaram, "talvez seja um psiquiatra excentrico ou um parente do suicida".
Chegando ao topo do edificio, foi barrado novamente. O chefe de policia foi grosseiro.
- Parado ai. Voce nao devia estar aqui. - Disse que ele deveria descer imediatamente. Mas o enigmatico homem fitou-lhe e retrucou:
- Como não posso entrar, se fui chamado?
O chefe de policia olhou para o psiquiatra, que olhou para o chefe dos bombeiros. Faziam sinais um para o outro para saber quem o chamara. Bastaram alguns segundos de distração para que o misterioso malvestido saisse da zona de segurança e se aproximasse perigosamente do homem que estava proximo de seu ultimo folego.
Quando o viram, nao dava mais tempo para interrompe-lo.
Qualquer advertencia que fizessem contra ele poderia desencadear o acidente, levando o suicida a executar sua intençao. Tensos, preferiram aguardar o desenrolar dos fatos.
O homem chegou sem pedir licença e sem se perturbar com a possibilidade de o suicida se atirar do edificio, Pegou-o de surpresa, ficando a tres metros dele. Ao perceber o invasor, o outro gritou imediatamente:
- Va embora, senão vo me matar!
O forasteiro ficou indiferente a essa emaça. Com a maior naturalidade do mundo, sentou-se no parapeito do edificio, tirou um sanduiche do bolso do paleto e começou a come-lo prazerosamente. Entre uma mordida e outra, assoviava uma musica, feliz da vida.
O suicida ficou abalado. Sentiu-se desprestigiado, afrontado, desrespeitado em seus sentimentos.
Aos berros, clamou:
- Pare com essa musica. Eu vou me jogar.
Intrepido, o estranho homem reagiu:
- Voce quer fazer o favor de nao perturbar o meu jantar?! - disse com veemencia. E deu mais umas boas mordidas, mexendo as pernas com prazer. Em seguida, olhou para o suicida e fez um gesto, oferecendo-lhe um pedaço.
Ao ver esse gesto, o chefe de policia tremulou os labios, o psiquiatra estatelou os olhos e o chefe dos bombeiros franziu a testa, perplexo.
O suicida ficou sem reaçao. Pensou consigo: "Nao e possivel! Achei alguem mais maluco do que eu".

(...)

este foi o primeiro capitulo de um livro que vale a pena ler, se alguem quiser posso postar o segundo capitulo (que e mais interessante que o primeiro) e tambem direi o nome do livro. alguns ja o sabem, claro, mas pra quem nao sabe ficara a duvida.
Ate mais